sábado, abril 07, 2007

O mundo está cheio de boas pessoas

Hoje foi mais um dia em que as boas pessoas foram em protesto contra a violência. Novamente Copacabana, a praia mais famosa e uma das mais chiques do mundo, viu um grupo de boas e voluntárias pessoas contra a violência carioca, que mata seus pobres e inocentes filhos, como o famoso João Hélio. (Tô sendo sarcástico, tá?)

A última vez que houve este protesto, nós vimos setecentas cruzes pretas em frente ao chiquérrimo e pomposo
Copacabana Palace, cruzes estas usadas para representar as setecentas vítimas de assassinato no Rio de Janeiro durante o começo do ano de 2007.

O lugar é extremamente apropriado para se falar de violência - afinal é ali onde tudo acontece, né? É onde se interessa, não é mesmo? Setecentas belas cruzes alinhadas na areia em frente ao
Copacabana Palace. Chega a ser vertiginoso. Dá um quadro e tanto.

O texto deles é mais ou menos este "queremos mais participação da sociedade civil, junto a polícia para ajudar a conter este índice imoral¹ de violência." Ou seja, a preocupação é
completamente unilateral² (como eu já havia falado aqui). E então eles se deitam no calçadão de Copacabana - todos vestidos com suas camisas pretas, enfileirados como lingüiças numa brasa, enquanto turistas e repórteres passam e se impressionam com o gesto anti-violência de um povo sofrido, que não agüenta mais tanto tormento.

Agora me diz - em que momento se falou em
inclusão social, ou em proteção da infância e juventude em situações de risco ou no ponto que deveria ser CULMINANTE nesta discussão - condições de estudo, moradia, ingresso no mercado de trabalho formal e distribuição de renda. É muito fácil e confortável falar de violência e se excluir do grupo responsável. O culpado é o traficante, o culpado é o trombadinha - prendam-nos! A polícia está em falta!

Não, queridos hipócritas em Copacabana, o problema não são os seus vassalos ou os escravos rebeldes, ou mesmo os parasitas do 'barato' que mancham o sonho carioca com tiros de fuzil e facadas nas costas. Nada disso. O problema são vocês. São os irresponsáveis que constroem o patrimônio de suas famílias em euro enquanto muitos brasileirinhos do morro³ não tem a menor estrutura para viver. São os escravos que se rebelam contra seus senhores. É a vingança daqueles que foram excluídos da grande ceia do luxo e da boa vida, e mostram poder sobre seus dominantes.

Ao invés de protestar sobre isso, protestem sobre os seus próprios salários inflados, sobre o valor mínimo que um trabalhador ganha neste país, sobre a falta de respeito com os trabalhadores informais, com o pouco caso que se faz com o que é
público e não o caríssimo e exclusivo particular. Todo ser humano, por mais resistente que seja, em algum momento cede. Seus valores sem valor não o retém mais e este simplesmente se permite. Se permite matar os que o torturam, se permite intimidar os que o controlam. Simplesmente uma reação a um velho costume, algo que começou na Colônia.

Toda sociedade, desde seus primórdios, se baseia nisto - em pessoas que muito dão para pouco receber. O problema é que hoje estas pessoas muito dão e NADA recebem. E são os feios, são os pretos, paraíbas e pobres que você - burguesão (carioca ou não) detesta ou teme ver pelas ruas.

Mas o mundo está cheio de boas pessoas, não é mesmo?

Foto por Tasso Marcelo/AE, retirada do site do 'Estadão'.
¹: E existe índice moral de violência? De repente se a violência acontecer apenas no Morro e com o Preto, é moral, não é mesmo?

²: De fato não existe uma consciência real do problema na cadeia de fatos que culmina em violência. Não existe uma receita mágica para isto. É muito trabalho sem remuneração, muita abnegação e esforço pelos que socialmente valem pouco ou dão pouca mídia. E isto não é exatamente o que a brasileirada gosta. Afinal ninguém vai deixar de 'colocar em casa pra dar pros outros'. E não é de esmola que falo, é coisa pior.

³: Quando falo em 'morro' ou 'preto' não estou usando a linguagem marcadamente racista como forma de apelo social exclusivo a um fenômeno de pobreza ou àpenas um quadro. No Rio de Janeiro, o morro é o verdadeiro símbolo da miséria, e infelizmente o negro sofre juntamente a mesma estigma. Porém, a parcela da população agredida pelo problema citado, não se restringe apenas a este grupo - apesar do mesmo se destacar em carência.

Podemos falar em vários outros grupos, como os nordestinos, os estrangeiros sulamericanos e pessoas de várias outras regiões que vêm às cidades grandes em busca de melhores condições e "dão com a cara na porta". Aí está o verdadeiro problema - marginalização cultural/racial ou adquirida. A própria estrutura da cidade cria o marginal, e o ciclo se arma. ao invés de se investir em incluir investe-se em proteger-se de ou simplesmente expulsar. (Verbos problemáticos).

Nenhum comentário: