A noite esfregava-se em todos os lugares com sua côr vermelha e seu jeito de coisa sangrenta, sensual e perigosa. E então uma figura preta caminha como se esquivando-se das luzes pelo caminho. Aquele é um momento de solidão.
Enquanto vagueia ali, como caminharia alguém séculos atrás; a figura questiona-se sobre várias coisas de uma vida banal, enquanto inspira o ar fatal de uma noite com vento quente e céu alaranjado. Este céu que só os centros urbanos tem, mas não tinham.
As estrelas fazem falta quando se quer viajar, inclusive às figuras escuras. E as cidades com suas vermelhas noites não permitem a quem quer que seja observar nada mais que portas fechadas acima, e o escarlate emanado dos postes.
Então o frio da madrugada faz-se presente, e a escura criatura mete as mãos nos bolsos, com o coração temeroso e cheio de ansiedade, pensando sobre o que a próxima esquina pode-lhe reservar. Que tipo de sensação, que tipo de odor ou memória.
Cada rua é única... Cada rua tem suas próprias casas, suas próprias latinhas de lixo... E tem ruas que, à noite, ficam especialmente bonitas. Algumas árvores projetam sombras unicamente complexas sobre as calçadas, e outras fazem com que as calçadas fiquem escuras o suficiente para que várias pessoas se escondam lá. Mas nunca se sabe, afinal a curiosidade de ver a próxima rua é muita, e as esquinas à frente são muitas e o tempo da madrugada é curto.
E existem flores que só se abrem à noite... Algumas roseiras escolhem madrugadas especialmente úmidas e vermelhas para manifestarem aquele cheiro adocicado e meigo de suas pequeninas rosas. E isto é um deleite para a escura figura, que encontra um mundo totalmente individual e ilimitado naqueles momentos perigosos de peregrinação solitária.
O melhor das madrugadas, no entanto, são as cartas... Nunca se soube porque se acham tantas cartas à noite. Talvez os outros resolvam se livrar delas neste horário. Afinal a noite é a casa dos pesadelos, e não existe nada mais doloroso que um amor não correspondido. Mas não existe nada mais lindo que as cartas de amor... Estas sim fazem parte de um mundo perfeito. Onde Deus e as almas-gêmeas existem, todos emoldurados por perfumes caros, imagens de gatinhos, e coraçõezinhos tortos desenhados com caneta esferográfica.
Quem a escreveu? Quem a receberia? Por que uma coisa tão delicada está em uma das calçadas na madrugada, suja e pisoteada pelo esquecimento? Será que a figura escura deveria encontrá-la? Será que a própria noite não a havia escrito para o amor de sua vida que a encontrasse? Afinal uma noite sem estrelas ou lua deve ser alguém muito solitário... E pessoas solitárias tendem a escrever como se alguém estivesse lendo, ou de fato o quisesse.
E a noite, como creêm Deus, escreve coisas estranhas. Escritos em uma língua comum demais, quase perturbadora de tão visceral. Mas apesar disso, a noite, e a figura escura são mudas.
Um comentário:
Ramir, nossa...
Você poderia me explicar por quê este seu belíssimo poema fez com que você lembrasse de mim?
Realmente, era eu naquele poema, em um época bastante densa... mas feliz,porque eu sentia a mim como nunca sentira antes. Era um época em que meu espírito palestrava para as minhas idéias e para qualquer desejo meu de ação. O espírito dominava.
Foi uma época, e está registrada na minha alma e nos meus escritos!
E o mais incrível, é você enxergar isso! Como?!!!!
Conselho sob forma de inigma: "Para o laço não se romper, primeiro tens que o morder." NIETZSCHE
Adorei! Beijos :**** Te Adoro!
Cássia Roberta
Postar um comentário